domingo, 22 de novembro de 2015

E SE VOCÊ MORRESSE HOJE?



Como estariam as coisas amanhã?
Enterro e alguém fazendo seu trabalho. Acredite.
E depois de amanhã?
Vida que segue. Apenas isso.
Não tem o que fazer. Saudade, dores, choros, lembranças, comentários...
Depois de um mês, dois, três, depois de um ano ou mais...
Vida que seguiu e mudou.
Pode acreditar.
Seu túmulo estará lá.
Se for cremado(a) suas cinzas já eram, irmão.
Se você for casada(o), talvez seu esposo(a) esteja casado(a) e (muito) feliz novamente.
Se tem filhos, seus filhos estarão bem, acredite.
Sempre terá alguém para cuidá-los.
Pode ir em paz!
A morte é só sua!
Talvez seu esposo(a) tenha outros filhos...
Ou você se acha tão importante assim?
Os rios continuarão a seguir o mesmo curso.
Ou você acha que eles congelarão ou correrão ao contrário só porque você morreu?
Aquela árvore que você plantou, aquela flor no vaso, todos permanecerão como estão...
Ninguém vai com você. A morte é só sua.
Sabe os seus pertences?
Eles serão agora, de uso de outra pessoa.
E talvez ela não cuide como você cuidava.
Talvez ela não esteja nem aí...
Talvez seus pertences estejam até guardados em alguma caixa, esquecidos...
E os caminhos por onde você passou?
Continuarão lá.
Eles não serão fechados para que ninguém mais passe por lá.
E seus amigos?
Não serão mais felizes?
Não irão mais sorrir?
Deixarão de fazer festa?
De casar?
Ter filhos?
Sair pra balada?
Não.
Eles deixaram de fazer isso, (talvez), apenas no dia da sua morte.
Vida que segue.
A morte é só sua.
Talvez eles relembrem bons momentos que tiveram contigo.
Talvez caia no esquecimento e uma vez ou outra algum amigo se lembre...
Ou você se acha tão importante assim?
Haverá alguém para dizer:
 “Não é por que morreu...mas....eu não gostava tanto dele(a) assim...” e vai pontuar seus defeitos.
Tal como fazia quando você era vivo (a).
Porque a morte é só sua.
O que ficarão serão as lembranças (e não somente as boas, viu?).
Nada mais que isto.
Fotografias, escritas, objetos que eram seus...
Que fique claro: ERAM!
Nada mais é seu.
Se você morresse hoje... o mundo não ficaria sabendo.
Saberiam apenas as pessoas que te conhecem e mesmo assim, nem todas.
Algumas saberão daqui alguns dias, meses, anos talvez...outros morrerão também sem saber da sua morte.
Se você morresse hoje...se morresse daqui 1 hora?
Ficaria alguém sem seu pedido de desculpas?
Ficaria alguém que você ama, sem saber disso?
Morreria você, sem ter dado aquele abraço?
Sem ter conversado sobre o que e como se sente?
Seja sobre o que for?
Morreria sem ter comido aquela torta de chocolate deliciosa porque engorda?
Morreria com vontade de ter feito algo que estava ao seu alcance, mas não fez por preguiça?
Por orgulho.
Por maldade.
Por capricho.
E se você morresse hoje?
Morreria sem ter usado aquele sapato ou roupa nova que comprou para uma ~ocasião especial ~?
E aquilo tanto que você queria conquistar na vida e conquistou?
Evitou a sua morte?
E o que não conquistou?
Foi a causa mortis?
O que você foi, ficará apenas na lembrança de quem ficou. Nada mais.
E esses músculos todos que você conquistou?
E este corpo escultural?
E estas plásticas?
E todo este seu conhecimento?
Deu tempo de repassar pra alguém?
Ou você usou apenas para selecionar seus círculos de amizade?
E se você morresse hoje?
Faria diferença por quanto tempo?

Mas eu te digo o que aconteceria se você morresse hoje:
A movimentação, a correria para avisar parentes e amigos (os mais chegados), a surpresa, a indignação, algumas lágrimas, alguma tristeza, as mensagens nas suas redes sociais seriam somente hoje, amanhã e (talvez) alguns dias depois...
Depois mais nada. Fim. Acabou.
Ou você se acha tão importante assim?
Você morreu, irmão.
E a morte é só sua.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

E NO FINAL DE 2008......

Este é o maior post da minha vida e deste blog que existe há uns 10 anos.
Com algumas paradas, está certo, mas faz uns 10 anos que tenho o Costume Vicioso.
Este post é uma passagem da minha vida, onde eu conheci a mente do suicida, de pessoas que só esperam a morte e de pessoas que ficam sem fala e sem movimentos, aquelas que sofrem acidentes ou outros sinistros e ficam inválidos, vegetando.
Hoje eu sei exatamente como é estar assim, por isso hoje, o meu ponto de vista sobre a eutanásia é meio chocante mas daí é outro post.
Então, vamos ao que me propus a fazer para o grupo de oração da minha igreja, para alguns amigos e conhecidos que sabem só um pedacinho da história.
Deu 16 páginas, praticamente um livreto, duvideodó que alguém leia até o final...mas............
Se vc tiver paciência, tempo e algum interesse para ler, vamos lá...

Dezembro, final de 2008, um calor daqueles, domingo depois do almoço todo mundo vai dormir e eu bravamente, sem preguiça, vou pra Foz com minha mãe, meus filhos e minha sobrinha, levá-la de volta pra casa dela, já que ela estava de férias aqui e tinha que voltar pra casa.
Lá, minha irmã resolveu que queria ir na esquina da casa dela numa lanchonete papear.
Depois de alguns minutos lá, minha cabeça começou a doer e eu imaginei que fosse por causa do calor que lá é demais nessa época e também porque sempre sofri com enxaquecas, então pra mim, era mais uma de tantas outras.
Fomos na farmácia e eu comprei um comprimido que eu poderia tomar porque ainda amamentava o Théo.
Tomei, voltamos pra casa da minha irmã e depois eu não me lembro de mais nada então vou escrever aqui o que me contaram:

Deitei no sofá eram quase 18 horas e depois de alguns minutos eu me levantei e fui vomitar.
Como eu não parava, me levaram para o pronto-socorro e lá fui medicada e mandaram eu de volta.
Dormi até o dia seguinte.
Segunda- feira: eu dormia, amamentava, comia, conversava, dormia, levantava, só para as coisas básica e voltava a dormir.
Não acordava mais e então minha mãe e minha irmã colocavam o Théo para mamar enquanto eu dormia, porque quando eu acordava, ficava 5 minutos depois voltava a dormir.
E foi assim até quarta-feira quando em uma das minhas acordadas me contaram que eu falei assim:
"Mãe, vamos embora porque amanhã é segunda-feira, dia normal, vamos, vamos..." e fui saindo.
Todo mundo ficou me olhando achando que eu estava maluca ou brincando.
Minha mãe tentou me localizar:
"Mas hoje é quarta!" e eu fiquei com cara de nada não acreditando.
Foi aí que perceberam que a coisa era pior do que eles estavam imaginando.
Ligaram para o meu pai que pegou um ônibus e foi lá nos buscar.
Não deixei que ele dirigisse porque eu estava me sentindo muito bem.
E assim fui até a metade do caminho.
Segundo o meu pai, quando chegou num certo ponto, eu fui para o acostamento e disse:
"Pai, leva porque eu tô me sentindo meio cansada..." não me lembro de ter feito isso, só me lembro de ter saído da casa da minha irmã.
Com este episódio, eles também ficaram assustados. No começo até achavam que eu estava de gozação com eles, essas coisas.
Chegamos em casa na quarta-feira no final da tarde.
Na sexta-feira, segundo me contaram, eu disse:
"Que dor de cabeça, vou deitar um pouco" e então eu fiquei do mesmo jeito que em Foz.
Na terça-feira a noite me contaram que eu disse:
"Liga a TV aí, vai começar o fantástico!" e um olhou pra cara do outro e achando que eu tinha bebido.
Ficaram lá, com cara de assustados e eu brava teimando que era domingo. Ligaram a TV, estava passando jornal nacional, daí me convenci.
Aí fui eu que fiquei assustada. Pensei: de novo? O que estava acontecendo comigo?

Na quinta-feira, tive outro episódio: "Que dor de cabeça, vou deitar..." e pumba, não me lembro de mais nada.
Me contam que eu me levantei, vomitei, vomitei e vomitei.
Me levaram de novo pra um pronto atendimento e lá me transferiram de ambulância para um hospital.
Soube que eu tomei o café da tarde, tomei chá, conversei com o médico, disse a ele que sentia dor de cabeça e cansaço, muito sono...mas não me lembro de absolutamtente nada disso.
Foi aí que o médico indicou um neuro e lá fomos nós.
Lá, o neurologista disse que eu teria que fazer uma tomografia.
Fiz, e o diagnóstico foi: hidrocefalia. Líquido no cérebro.
O que causa? O médico não explicou claramente, só disse que havia um acúmulo de líquido no interior da cavidade craniana e ele se dá, por qualquer razão.
Tratava-se de uma obstrução à drenagem do líquido para o sistema sanguíneo e isto estava causando pressão no interior do cérebro, dilatação dos ventrículos, compressão do tecido nervoso, e isto estava causando as dores e os apagões.
Minha pergunta para o médico:
"E o que tem que ser feito?"
Ele: "Cirurgia"
Eu: "Vai precisar raspar a cabeça?"
Ele: "Vai"
Assim, sem me enrolar nem nada.
Fiquei paralisada enquanto ele explicava a cirurgia.
Eu ficava me imaginando careca, meus longos cabelos no chão e de como eu ficaria dentro de um caixão. Então o médico prosseguiu dizendo que seria inserido no meu crânio uma válvula de derivação que tem uma mangueirinha que desce do crânio até o peritônio que é pra onde vai o líquido.
Na verdade, trata-e de um cabo USB. Olha se não lembra um...
Mas mesmo diante desse terror todo, eu ainda sentia vontade de ficar boa, estava assustada com essas ocorrência todas mas queria lutar. Eu tinha um bebê de 8 meses pra criar.
Saí da sala daquele médico querendo esganá-lo.
Muda, chocada e revoltada não porque faria uma cirurgia delicada, mas porque ficaria careca.
Eu que nunca tive a auto estima inflada, pelo contrário, naquele momento, já estava me sentindo o côco do cavalo do bandido.
Sem contar que eu sempre tive verdadeiro pânico de cirurgia e agora faria uma logo na cabeça?
Mas não tinha por onde correr, era encarar ou encarar.
Foram vários bons argumentos que muita gente usou para me "animar".

Marcado o dia da cirurgia, 26 de janeiro de 2009, eu já estava anestesiada, estava pronta.
Animada e desanimada ao mesmo tempo, ainda sentia vontade, não muito empolgada de ficar boa.
Mas havia lá no fundinho uma forcinha. Não chorei nenhum dia.
Eu acho que eu estava "entregue". Não estava nem aí mais para o que pudesse ou fosse acontecer queria aquilo resolvido logo.
Penso que já estava quase começando aí uma depressão.
Chegou o dia da tal cirurgia.
Não me lembro de muitas coisas, minha memória recente ficou um pouco abalada, então só me lembro de algumas coisas, entre elas, o momento que entra a enfermeira para me preparar para a cirurgia: máquina para cortar o cabelo, tesoura, prestobarba.
Marido para a enfermeira:
"Deixa eu fazer isso?"
Ela olhou meio surpresa e disse que tudo bem e ele foi fazendo o serviço dela todo feliz e fazendo graça tentando me deixar animada enquanto a enfermeira orientava observava e entrava no clima tentando me deixar "à vontade" também.
Eu continuava anestesiada e sem forças, completamente impotente.
Poderiam fazer a cirurgia alí mesmo, a seco. Fui ficando cada minuto mais "nem aí".
Fui pra sala de cirurgia deitada naquela maca, careca com a cabeça brilhando, lisa igual bunda de bebê.
Fui olhando pr´aquele teto de hospital até entrar na sala de cirurgia megaequipada e com uma equipe toda lá dentro. E eu que sempre disse que se algum dia precisasse de cirurgia, que me levassem dormindo pq só de ver aquela parafernália toda eu já teria um troço. Nem dei bola.
É, eu acho que já estava mesmo em depressão.
Veio um enfermeiro e colocou uma máscara com um arzinho pra eu respirar...

Acordei no quarto com marido olhando pra minha cara.
Sorrindo disse:
"Acabou, correu tudo bem" disso eu me lembro bem.
Pensei: "Ah que saco!"
Meus peitos estavam estourando de tanto leite. O médico autorizou trazer o Théo para mamar.
Que alívio quando ele mamou. Mas depois o médico disse que talvez teria que parar por causa dos medicamentos. Eu não ligava pra mais nada.
O cabo já estava inserido.

+ou- 30 de janeiro de 2009, não me lembro bem, tive alta, fui direto para a casa dos meus pais.
No dia seguinte minha visão começou a ficar embaçada.
Voltamos ao médico e ele encaminhou para o oftalmo que pediu vários exames entre eles o de campo visual, que eu só consegui concluir este exame na 5ª tentativa, porque necessitava ter reflexos bons para apertar um botão no tempo certo e meus reflexos estavam começando a ficar comprometidos.
Exames prontos, mais uma vez no consultório e o diagnóstico oftalmológico: nada.
Vamos para outra investigação: ressonância magnética.
Feito a ressonância, resultado, o fatídico diagnóstico: inseriram um cabo USB dentro do meu crânio sem necessidade porque o problema continuava lá.
Quietinho e intacto. 2 neurocisticercos que estavam obstruindo os ventrículos e fazendo com que líquido se acumulasse e inchasse o cérebro.
Havia necessidade de uma segunda cirurgia!
E continuou a explicação dele dizendo que aqui em Cascavel não existem equipamentos para fazer cirurgias neuroendoscópicas que era a que seria indicada para o meu caso, e que somente em Maringá, Curitiba e São Paulo tem o tal equipamento e especialistas gabaritados para tal.
Mas enquanto isso eu deveria tomar um remédio, que depois da megadose que ele prescreveu, soubemos que o comprimido que eu tomava 4 por dia o correto seria 1 a cada 3 dias.
Ele prescreveu para eu tomar os 4 por dia por 21 dias.
Eu iria morrer por excesso medicamentoso segundo um enfermeiro que é amigo nosso.
Foi neste período que eu caí dentro do poço de vez e começou o meu plano de vida: morrer.
Quando soube dessa bomba toda, saí daquele consultório desnorteada.
Marido fazendo de conta que estava tudo bem.
Chegamos na casa dos meus pais e demos a notícia. Todos ficaram chocados. Eu não sentia mais nada.
No 5º dia tomando o medicamento decidi parar por conta.
A família se revoltou comigo, ouvi sermões e um monte de blá, blá, blá.
Mas parei. Meus reflexos foram ficando a cada dia mais lentos, problemas com a fala, deglutição afetada e caminhando com muita dificuldade e tudo isso se agravando dia a dia.
Um belo dia fui tomar água e não consegui levar o copo até a boca.
No meio do caminho travava tudo e a mão começa a tremer. Começa aí, o parkinson.
Muitas dores musculares e rigidez. Parkinssonismo secundário para ser exata.
Como a fala estava ficando comprometida, eu ainda conseguia resmungar que queria massagem nos meus braços porque as dores se aliviavam.
Então foram litros de hidratante e revezamento dos "massagistas": marido, pai, mãe, irmão, irmã... isso acontecia a maior parte do dia e da noite.
Neste período, minha irmã que mora em Foz do Iguaçu veio pra cuidar de mim quando meu marido estava trabalhando. Em algumas noites que ele dormia umas 3 horas apenas. No dia seguinte ia trabalhar moído, certa dia ele dormiu ao volante no semáforo, acordou com as buzinas.

Passado alguns dias, não teve jeito, tivemos que voltar ao médico porque eu só piorava.
Fomos eu, marido e meu irmão, revoltado com a situação. Achei que meu irmão daria umas porradas daquele médico, quando vi aquele bruta montes bravo igual um cachorro amarrado na frente de um gato.
Chegando na clínica ele entraram e voltaram com uma cadeira de rodas.
Eu estava caminhando com muita dificuldade, não teria como descer uma rampa que tinha na entrada.
Quando eu entrei na sala do médico daquele jeito, disso eu me lembro bem, ele ficou pálido.
O médico não olhava diretamente pra mim, por várias vezes baixava a cabeça. Não olhava para meu irmão que com cara de poucos amigos o encarava durante a frustrada tentativa dele em dar explicações.
Acho que senti uma pontinha de pena dele.
Ainda tive forças para isso porque ele gaguejou algumas vezes, titubeava em algumas falas, era visível o desconforto dele. Ele falou, falou e não disse nada.

Segui assim assistindo impotente, a tentativa da família em me "salvar" mas no fundo achava que aquilo era só perda de tempo.
Ouvia eles conversando baixinho pra eu não ouvir mas sabia que era de mim que falavam.
De vez enquando, me levavam para a igreja.
O Padre foi lá me visitar, orou, parecia extrema unção!
Algumas freiras da igreja também foram orar, levaram um quadro com a imagem de Jesus Misericordioso que o Padre mandou me entregar e pediu que todos os dias às 15 horas colocassem o rádio pra eu escutar o terço da misericórdia e assim foi feito.
Algumas vezes meu marido ia na missa e ia para a comunhão só pra pegar a hóstia pra mim.
Roubava hóstia vê se pode!
Disfarçava, enfiava no bolso da camisa e levava pra mim.
Não pode fazer isso, mas ele fazia.
Acho que Deus já perdoou.
Amigos iam me visitar a saíam do quarto chorando achando que eu não percebia...
Grupo de oração da igreja católica que eu frequentava no meu bairro, grupo de oração da igreja Assembléia de Deus, Adventista do Sétimo Dia, pastoral da saúde do movimento Carismático da Igreja Católica, grupo Espírita Allan Kardec de uma tia de Florianópolis que levou foto minha, vizinhos, parentes que eu via sempre, parentes que não via há séculos, terços, orações, até cantos...era uma romaria naquele quarto. Realmente foram muitas e muitas orações de várias doutrinas.
Eu estava de verdade com o pé na cova.

Era metade de fevereiro e então a família decidiu trocar de médico porque eu já estava totalmente letárgica, inválida, vegetando o negócia estava feio.
Me levaram num neuro que é professor do curso de medicina na universidade daqui.
Ele pediu vários exames, viu os resultados, nada de diferente.
Trocou de idéia com os outros neuros daquela clínica, até que na terceira vez ele nem me atendeu na sala dele, foi na recepção mesmo. Chegou lá com um cartão dele na mão e, no verso, o nome e o telefone de um neuro de Curitiba, amigo dele:
"Aqui não há o que podemos fazer por ela, não temos porque continuar insistindo se nem aparelhos para a neuroendoscopia nós temos aqui. Vocês não podem perder mais tempo porque o quadro pode se agravar mais..."
Foi o que o médico disse pra gente. Achei ético.
Quando eu chegava na recepção dessa clínica, as pessoas me olhavam muito, eu devia estar num estado lastimável, não sei porque me olhava no espelho desde a cirurgia.
A recepcionista percebeu o constrangimento e chamou meu marido perguntando se ele queria sair dalí e para aguardarmos numa sala reservadaao lado. Esta sala deve ser específica para dois casos penso eu: ou para pessoas meio destruidas ou para celebridades. E eu, estava alí porque sou celebridade, óbviamente.
Acontece, que ao lado dessa sala, havia uma porta que dava acesso à garagem e era lá que a gente ficava porque como eu tinha uma inquietação por causa do parkinsonismo e qdo eu estava na cadeira de rodas tinham que ficar andando comigo mesmo que em círculos. Mas eu precisava de movimento.
E como é que isso não chamava a atenção das pessoas não é mesmo?
Chamava a atenção e despertava curiosidade é claro

Uma vez passei mal, porque não comia e estava emagrecendo demais, o médico indicou soro ou sonda para me alimentar. Além de emagrecer, perdi massa muscular, afinou tudo. Uma beleza.
Então fui para um hospital tomar esse tal soro para não ganhar uma sonda.
Me lembro que meu marido amarrou o suporte do soro na cadeira de rodas e ficava rodando comigo pelos corredores o hospital. Todo mundo olhando com cara de interrogação como sempre.
Me lembro que um dos meus sobrinhos foi me visitar e chorou horrores ao me ver.
É, eu estava mesmo num estado triste.

Passado algumas semanas, minha visão estacionou e equilibrou-se sozinha, em contrapartida, parei de andar e já não falava mais absolutamtente nada.
Não dormia e passava noites interinhas em claro.
Quando eu me ainda me arrastava, eu fazia isto no corredor da casa dos meus pais igual um fantasma, pra lá e pra cá.
Chegou o dia que parou por completo a capacidade de mastigação e a deglutição ficou dificil.
Até saliva era dificil de engolir, o tempo todo alguém tinha que secar minha boca, senão eu babava.
Minha comida era toda liquidificada e eu era alimentada através de um seringa, era como se fosse conta-gotas. Emagreci apenas 16 quilos porque me obrigavam a comer, senão seriam muito mais.
Marido me dava banho e fazia tudo por mim e eu odiava aquilo.
Como eu não falava, eu fazia alguns sinais e eles entendiam.
Meu irmão tinha um pandeiro que ele deixava na minha mão pra eu mexer nele quando quisesse algo tipo banheiro, água, sentar, mudar de posição na cama, essas coisas. Com certa dificuldade eu conseguia fazer um barulho com ele e as pessoas da casa ouviam.
Eu só ficava de lado ou barriga pra cima. Tentavam me deixar de barriga pra baixo mas eu não conseguia permanecer assim por muito tempo.
Insistiam pra eu ficar sentada numa cadeira, no sofá, sei lá em qualquer outro lugar que não fosse cama, mas eu não conseguia não tinha a mínima vontade de tentar.
Só queria ficar deitada, dormir, não ver ninguém.
Daí eu já estava mesmo vegetando de verdade.
Perdi completamente a expressão facial, não chorava, não sorria, não franzia a cara...absolutamente "cara de nada".
Estava sempre do mesmo jeito. Além do pandeiro, eu conseguia fazer uns barulhos, murmúrios que a família compreendia.
Meu filho mais velho ia no quarto de vez enqdo segurava minha mão, ficava me olhando um pouco e saía desanimado.
O pequeno estava com 10 meses e não caminhava ainda, vinha engatinhando até a cama, se levantava e ficava me olhando, não entendia nada, eu nem conseguia virar o rosto pra vê-lo, então minha mãe segurava ele no colo e levantava pra que eu olhasse pra ele.
Ele já havia desmamado. Dormia com meus pais.
Uma vez ele ficou doente e esconderam de mim, não queriam me preocupar, mas eu ouvia ele vomitar, minha mãe chorar, vizinhas buscando ele pra cuidar e ajudar minha mãe...
Um dia, meu marido veio e disse que precisava me contar uma coisa: a mãe dele, estava mesmo com câncer e estava aqui na minha cidade (ela mora em outra) fazendo o tratamento, quimioterapia, mas estava bem.
Câncer na cabeça. Eu sabia que ela faria exames mas não sabia do resultado até então.
Fiquei mais revoltada ainda com tudo, pq a minha sogra é uma mãe pra mim.

E minha vida de vegetal seguia em frente.
Quando eu ouvia o barulho do liquidificador eu entrava em pânico porque era horrível a comida daquele jeito.
Eu não conseguia engolir direito e perdi o paladar por causa dos remédios.
Bem que tentava me negar a comer estava perdendo as forças e a família em pânico ainda me convencia a fazer algo por mim, então comia forçado, era terrível.
Não suporto sopa e água de côco até hoje.
Minha mãe ligava o rádio pra eu ouvir. Colocava no Padre Marcelo, Padre Reginaldo e eu ouvia.
Colocaram a TV quase perto do teto pra eu assistir, porque eu fica esticada na cama e não conseguia manter o pescoço de outra forma que não fosse bem no baixo, praticamente sem travesseiro.
Eu raciocinava e compreendia tudo ao meu redor embora algumas pessoas achassem que eu nem ouvia e nem enxergava direito ou que estava débil mental e algumas pessoas me tratavam como se eu tivesse perdido o senso de tudo. Mas a minha expressão facial era como se eu estivesse mesmo fora da casinha.
Mas eu estava completamente lúcida, imóvel, sem fala, sem movimentos, com um parkinssonismo filho da puta que fazia doer todos os meus músculos, mas lúcida!
Planejava inutilmente a minha morte. Totalmente dependente das pessoas, mas planejava.
Odiava a hora do banho, a hora de escovar os dentes e a hora de comer.
A única coisa boa era a gelatina na seringa, ah isso era bom! Eu adorava!
Mas todo o resto era horrível demais!
Não conseguia nada. Não sentia nada e tudo havia perdido o sentido.
Não me lembrava mais de muita coisa. Mas reconhecia as pessoas que iam me visitar.
Elas saíam do quarto chorando achando que eu não percebia.
Eu escutava a minha mãe chorando e dizendo:
"Eu estou com uma saudade de ouvir a voz dela..." e chorava pra caramba.
Eu não conseguia sentir nada, nenhum sentimento, nenhuma emoção.
Eu continuava querendo morrer.
Percebia uma certa movimentação do meu irmão, pai, marido e de dois primos meu que não moram aqui na minha cidade.
Mas eu percebia tudo isso por causa de telefonemas constantes, uma falação, cochichos...
Um dia meu irmão entrou no quarto animadão e disse:
"Gi, tudo certo, você vai terça-feira para Curitiba consultar com aquele médico indicado pelo último neuro que a gente te levou!"
Senti alguma coisa que não me lembro bem o que foi, mas senti.
Minha irmã iria comigo até Curitiba.
Um dos meus primos me levaria e o outro nos encontraria lá.
Na terça-feira 3 da manhã meu primo chegou.
Chegamos cedo em Curitiba junto com meu outro primo, foi incrível, nos encontramos por acaso numa esquina perto do hotel que ficaríamos.
Tomamos café da manhã no hotel, aliás, eles tomaram, eu só olhei...
Até que fomos a tão esperada consulta com o "Papa" da neurologia indicado pelo último neurologista que consultei.
Eu na cadeira de rodas, toda paralisada, tremendo muito por causa do parkinsonismo assistindo tudo inclusive assistindo as pessoas com cara de pena olhando pra mim naquela recepção do consultório.
E minha vida era assim: pessoas me olhando com cara de pena ou com cara de no mínimo, curiosas.

Eu podia ver a curiosidade na cara daquelas pessoas.
Especialmente alí naquela clínica do doutorzão, porque estava uma galera comigo: minha irmã, meus dois primos mais o assessor de um deputado amigo deles e muito nos ajudou.
Talvez acharam que eu fosse alguém muito importante, cheia da grana. rá rá rá!
Como são as pessoas não é mesmo?
E eu pensava coisas horríveis a respeito delas todas, porque fiquei com raiva daqueles olhares.

Chegou o grande doutor. Uma maleta não mão, cabelos grisalhos, cara de poderoso mas ao mesmo tempo um ar simpático. Cumprimentou as pessoas ao chegar e entrou na sala. A secretária dele entrou correndinho atrás.
Depois de muita espera e muitos olhares de piedade lançados a esta pobre criatura, chegou a minha vez.
Entrou todo mundo! Meus primos & cia e ainda bombardearam o médico com perguntas.
E ele lá, sentado naquela cadeira poderosa, imagino que deve ser igualzinha a cadeira de Deus lá no céu: grande, imponente, luz direcionada sobre a cabeça, computador, livros e mais livros ao redor, cheiro bom...
Me lembro perfeitamente de alguns fatos, um que não vou me esquecer foi a frase mestra do doutor:
"Ela vai ficar boa, eu sei qual é o caminho e o que ela tem! Já vi um caso parecido...o dela é o 5º no mundo hein...será que ela autoriza registrar?"
Foi neste momento que eu fiz o que não fazia mais quando ia naqueles outros médicos que fui: prestar atenção.
E eu prestei atenção em cada palavra que ele dizia. Mesmo meio desacreditada interessei.
Me lembro dele dizendo que pediria autorização minha para estudo e publicação do caso assim que eu pudesse assinar o termo.
Concordei em pensamento em autorizar tudo que ele pedisse mesmo pq nada me importava mais mesmo.
Ele disse que teria que me internar imediatamente no Hospital de Clínicas para começar a preparação para a segunda cirurgia e eu pensei, taí a chance de eu morrer.

Todos animados, contentes, saímos de lá direto para o hotel e meus primos na doideira pra conseguir meu internamento no hospital de clínicas conforme o doutor indicou.
Liga daqui, contatos dalí, conseguiram! Tudo certo, no dia seguinte cedinho eu me internaria lá na ala de neurologia do famoso e respeitado Hospital de Clínicas da UFPR de Curitiba. Menos mal.

Depois ficamos sabendo lá no hospital o parco conhecimento do moço:
Professor adjunto de neurologia, preceptor da residência de Neurologia, coordenador do setor de distúrbios do movimento e coordenador da comissão de residência médica do Hospital de Clínicas - UFPR, onde eu estava e faria a segunda cirurgia.
Ele é também membro da Academia Americana de Neurologia, da Sociedade de Distúrbios do Movimento, da Academia Brasileira de Neurologia, além de membro e ex-presidente da Sociedade Paranaense de Ciências Neurológicas.
É autor de 7 livros sobre Doença de Parkinson e condutas em Emergências Neurológicas. Também publicou 30 capítulos em outros livros, participou de mais de 200 congressos e palestras, teve mais de 150 trabalhos apresentados em congressos e publicados como resumos e 92 trabalhos publicados em revistas indexadas. Ganhou o prêmio mérito da saúde.
Diante deste mirrado curriculum, eu decidi desistir de morrer, mesmo porque esse cara iria dificultar demais os meus planos.
Mas pensava: tomara que no dia da cirurgia o doutorzão não compareça pra orientar ninguém.

Hospital onde os estudantes de medicina e pós estudam, praticam e o doutor tinha em suas mãos um estudo de caso e tanto. Mais um caso para o currículum dele.
Muito bem, começaram todas as preparações, enfermeiros, fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia e tudo quanto era "ia" batiam ponto no meu leito de morte.
Fiquei numa enfermaria com outras mulheres com casos bem "mais simples", tipo esclerose múltipla e tumores neurológicos benignos, mas elas falavam, mastigavam, engoliam saliva, engoliam comida, sentavam, se mexiam, engoliam seus remédios tudo normal, mas eu não, era tudo na seringa e só não me botaram sonda para me alimentar pq a família dificultava as coisas para isto.

Eu não sentia sono então me davam diazepan e rivotril.
Rivotril toma-se normalmente 3 ou 5 gotas, eu tomava 15 e às vezes nada acontecia.
Como fiquei meio viciada toda noite eu queria aquilo, resmungava pedindo remédio pra dormir, e há pouco tempo minha irmã me disse que por várias noites me deram placebo. E funcionava.
As mulheres com esclerose múltipla andavam com muita dificuldade mas eu era a pé na cova delas 3 que estavam lá pq eu não andava absolutamente nada.
Minha irmã ficou comigo e então era alternado entre ela e meu marido indo e vindo.
Soube que meu marido fazia verdadeiras loucuras pra ir até Curitiba ficar comigo.
A páscoa em 2009 foi dia 12 de abril. Na Sexta-feira Santa ouvi orações e hinos de igreja o dia inteirinho pq o HC fica perto de uma praça, um bosque sei lá o que é aquilo e a igreja católica organizou um evento.
Era missa e cantoria o dia todo. Passei a páscoa no hospital.
Os familiares das outras levaram ovos e outros chocolates. Eu não senti vontade nenhuma de comer chocolate pela primeira vez na minha vida.

Eu tinha uma inquietação estranha e queria me mexer, me virar, sentar, mas as colegas de quarto e até os acompanhantes deles me ajudavam com muito carinho.
Eu via mulheres internando e mulheres tendo alta...eu continuava alí...
Na verdade eu não via a hora de fazer a segunda cirurgia.
Como eu estava no 8º andar daquele hospital, quando eu tinha que tentar caminhar porque a fisioterapeuta disse que eu deveria ir tentando, eu ia até a janela.
Ficava horas olhando lá pra baixo e pensando coisas, tentando me lembrar de outras coisas, de pessoas, ficava pensando se eu não tinha perdido minha essência, se eu era aquilo lá mesmo, era tudo confuso demais na minha mente.
Eu ficava vendo as pessoas caminharem lá embaixo e aquilo pra mim era algo mto distante.
Olhava as janelas com grade e me frustrava.
Puxa, bem que eu poderia...ficava alí naquela janela madrugadas, tarde, manhãs, noites...era tudo um terror.
Odiava ser banhada pelas enfermeiras, odiava qdo um dos médicos ia me filmar, fotografar e registrar tudo para o tal estudo deles e publicação do caso...eu detestava aquilo tudo e eles conversavam comigo, faziam gracinhas pra descontrair e ver se eu tinha reação de expressão facial e nada. Eu só pensava: que saco, que saco.
Minha memória recente ficou muito afetada. O médico disse que talvez eu recuperasse as coisas, talvez não. Então eu ficava pensado: "O que será que eu esqueci?" nossa muito, muito bizarro isso.

Quando me apresentaram o médico que faria a minha cirurgia, vi aquele molecão, pensei
"Que bom, ele deve ser mto inexperiente, vai dar tudo errado e vou morrer, tomara que o doutor falte no dia e não esteja aqui para orientar ninguém!"

E chegou o grande dia da tal cirurgia neuroendoscópica.
Ah, que ansiedade. Neste dia eu já estava quase falando, até este dia eu tive algum bom progresso.
Conseguia resmungar algumas coisas e engolir com mais facilidade e o parkinson estava mais controlado.
Eu me deitava sempre sobre as mãos para não tremer tanto e no dia da cirurgia eu já não me deitava mais sobre elas.
Quando entrei naquela sala, tudo preparado, veio o enfermeiro com o troço pra eu respirar...aaah que delícia, apaguei.
Acordei, olhei pra cima, pensei:
"Putz! Não morri!" do meu lado um enfermeiro:
"Pronto! Correu tudo bem, vc está ótima! Já vamos para o quarto não vai precisar UTI!" tsc, tsc, tsc...mas eu continuava paralisada e minha fala travou de novo.
Lá estava eu com um cabo USB e agora com um furo bem no meio do crânio.

Meu plano continuava: acabar com tudo de alguma forma, daquele jeito é que eu não ia ficar.
Depois dessa cirurgia, todo o avanço que eu havia feito até então, foi por água abaixo.
Voltei à estaca zero.
O médico mór disse que era normal, que eu recuperaria a partir dalí todos os movimentos.
Pensei: "rá rá, duvido, não tô sentindo nada!" me deu uma raiva.
No dia seguinte tudo de novo: fisio, psico, fono e blá, blá, blá... e não era só um não!
Era uma galerinha de estudantes me olhando como quem olha aqueles bichos em conserva que moram nos laboratórios com pranchetinhas e caras de inteligentes.
Que raiva daquilo.
Que raiva dos banhos naquela cadeira de rodas.
Que raiva qdo a água estava mto quente, ou mto fria e eu não podia falar!
Que raiva qdo uma mulher do quarto tinha alta e eu não, que raiva que rasparam minha cabeça de novo!
Que raiva do mundo.
Dois dias depois da cirurgia eu já conseguia sugar água de côco com o canudinho, no dia seguinte a nutricionista liberou chiclete para estimular a mastigação.
Meu paladar estava voltando.
Comecei a sentir vontade de comer certas coisas como: sorvete e sanduíche de presunto e queijo mas tinha que ser no pão de cachorro quente.
Coisa de desejo de grávida. Estranho.
A nutricionista liberou e lá foi minha irmã toda feliz atrás de sorvete, sanduíche...a galera do quarto pediu pizza pra comemorar minha recuperação com o consentimento dos médicos e nutricionista.
Legal a atitude e intenção delas...mas pizza eu não conseguia comer, mas fiquei feliz em ver que elas estavam felizes por mim. Foi emocionante. Coisas que não vou me esquecer. Pizza no hospital, inédito.
Aí eu já estava começando a desistir de morrer.

No dia seguinte, meu marido chegou, eu quis sorvete Cornetto e consegui falar isso!
Meu marido não sabia o que fazia: se corria comprar o sorvete ou se pegava o celular.
Todo louco, ligou para os meus primos e colocou eu pra falar. Eles abriram a boca chorando.
Ligou para meu irmão que abriu o bocão também:
"É vc mesmo que tá falando? É sério?" e eu ouvindo aquele homão chorando feito bobo e a mulherada no quarto também.
Eu ainda não conseguia chorar.
Falava com certa dificuldade, mas dava pra entender bem.
Um progresso imenso pra quem estava muda há 2 meses praticamente.
Foi lindo. Mas como isso tudo aconteceu a noite, no dia seguinte o doutor veio me ver.
Olhou pra mim e conversou como sempre mas dessa vez eu respondi.
Ele disse: "Ooolha...ela fala..." com um sorriso enorme na cara. Ficou me olhando por uns segundos com cara de feliz.A cada dia eu melhorava. E então, a cada dia eu desistia de morrer.
Já pensava em meus filhos que até então eu já havia me desligado pq meus planos eram outros...há uns dias atrás eu pensava neles sendo criados pelo pai e outra mulher.
"Eles ficarão bem!" era o que eu pensava.

Mas foi gostoso começar tudo de novo: andar, falar, comer, engolir saliva, ir ao banheiro sozinha, tomar um banho sozinha, escovar os dentes eu mesma...foi sensacional!
Ver a reação das pessoas envolvidas então, foi demais.
Os médicos que sempre são frios, alí no meu caso, eu vi outra versão que ninguém vê.
Vi e doutora querida que cuidava de mim se emocionar...o enfermeiro Paulo ficar com os olhos vermelhos e cheios de lágrima, o médico que filmava ficar todo animadão...não tem como esquecer.
O dia da alta então foi fenomenal!
Eu sentada na cama, o médico disse bom dia e eu consegui responder!
Ele deu um sorrisão e disse:
"Acho que vou mandar você pra casa, olha só: já está falando, andando, engolindo, mastigando, está pronta!"
Finalmente a alta médica seria no dia seguinte!
Minha irmã estava comigo.
Marido não sabia ainda. Ninguém sabia.
Soube que minha sogra estava no tratamento dela de quimioterapia e que estava bem.

Eu andando, falando, com certa dificuldade mas falando.
Comendo, engolindo com facilidade...
O café da manhã do hospital era bom e só no final eu pude aproveitar.
Logo o café da manhã que é minha refeição favorita.
Andar..aaah como era bom conseguir andar, como era bom não sentir os tremores.
Era sensacional.
Ir ao banheiro sozinha, escovar meus dentes eu mesma.
Falar, falar, falar...eu que sou uma matraca.
Era o renascimento.
Comecei me lembrar de algumas coisas.
Entre elas que o aniversário de 1 ano do Théo seria naquela semana.

O médico anunciou que eu continuaria com 2 medicamentos para evitar volta do parkinson e seria de uso contínuo. Como tive ótima evolução foram diminuindo aos poucos até que parei definitivamente com eles em junho do ano passado, em 2010.
Eram medicamentos muito caros então o governo fornecia. Uma benção.
Quando fui saindo daquele hospital, daquela ala, vi as mulheres que continuaram lá, internadas, e como é da minha natureza não quis me despedir de ninguém porque não gosto.
Simplesmente fui. Eu e minha irmã, parceirona.
Meu primo, outro parceirão, aquele que me levou pra Curitiba coinscidentemente estava lá no dia da alta, minha irmã ligou pra ele avisando e ele fez questão de ir me buscar,

Um dos meus irmãos que morava numa cidadezinha perto de Curitiba também iria me buscar porque me traria de volta pra casa.
Então eles combinaram um lugar e lá fomos nós.
Era por volta das 16 horas...pra mim, o céu estava mais azul, o ar mais leve, o sol era maravilhoso, eu havia nascido de novo.
Eu saí daquele hospital muito grata a tudo e a todos, pensava muito em Deus e me sentia muito privilegiada. Sentia uma gratidão imensa e uma alegria inexplicável.
Eu estava muito feia. Minhas pupilas continuavam bastante dilatadas ainda e continuariam ainda por alguns dias. Mas eu estava nem aí. Dessa vez o meu "nem aí" era para os detalhes como: aparência, carequice, feiúra, olhos arregalados, fala um pouco comprometida, movimentos também.
Ah, eu estava bem e queria ver meu bebê!
Tinha desistido de morrer e decidido viver.

Era dia 15 de abril de 2009. Meu primo chegou e quando estávamos indo ao encontro do meu irmão e para levar minha irmã na rodoviária porque ela voltaria para a casa dela, paramos num semáforo e um carro ao lado com um som alto: "I Gotta a Felling", do Black Eyes Peas.
Sempre que ouço essa música me lembro daquele dia e daquele momento tão fantástico pra mim.
Tornou-se uma música especial.
"I gotta feelin, that tonight's gonna be a good night.." - "Eu posso sentir, que hoje a noite vai ser boa..."
Sim, e foi mesmo, fiquei acordada a noite toda.
Andava pela casa do meu irmão feito um leão enjaulado, escutava todos os barulhos da rua, esperava amanhecer, olhava no relógio a cada 10 minutos, ligava a TV, desligava, ia fazer xixi, tomava água, deitava, levantava.
Sem sono nenhum igual eu ficava no hospital.
Tomei 15 gotas de rivotril e nem assim preguei o olho.

A ansiedade pra voltar pra casa era demais ainda mais que ninguém sabia da minha alta.
5 da manhã, 17 de abril de 2009.
Olhava pela janela, frio, escuro ainda e eu com xilique porque não clareava logo o dia pra gente cair na estrada de uma vez por todas.
Amanheceu e eu pilhada, sem sono nenhum, a adrenalina estava estourando, nada de sono.
Queria ir pra casa.

Tomei café com uma alegria que ninguém imagina.
Sozinha sem ninguém para me dar na seringa, engolindo na boa.
Nossa, era demais de bom.

Meu irmão graças a Deus acorda e vem tomar café pra gente cair no mundo.
"Bom dia, Gi, tenho uma notícia pra te dar!" pensei, "Pronto, não vamos voltar pra casa!" e ele continua:
"O Théo começou a andar essa semana. A mãe ligou ontem pra contar" chorei. Daí que percebi que minha expressão facial estava voltando.
Não vi meu filho começar a andar, mas fiquei radiante.
Achei que dormiria durante a viagem, mas que nada, estava ligadona e depois dessa novidade então...
Chegamos na casa dos meus pais à tarde.
Estavam todos lá, parecia combinado.
Quando me viram quase tiveram um troço.
O Théo não me reconhecia mais, afinal foram 2 meses sem pegá-lo no colo, sem conversar com ele, sem contato...ele me olhava sem entender direito.
Cheguei a tempo de comemorar o aniversário de 1 ano dele.
Mas não daria tempo pra muita coisa então no dia seguinte só providenciamos um bolo com velinhas, brigadeiro e estava maravilhoso.

Durante todo o tempo que fiquei internada, conheci enfermeiros, enfermeiras, as mulheres da limpeza, as outras internadas, uma menina que cuidava da mãe mas a mãe pediu pra ela cuidar de mim quando minha irmã saía.
Ela é cantora então ela cantava pra mim.
Beijava meu rosto, fazia cafuné, cuidava de mim igual quem cuida de uma criança. Eu amava ela.

Meu marido não podia ficar comigo lá o tempo todo, mas ficou boa parte.
Eu tinha crises e pânico quando meus acompanhantes não ficavam perto de mim.
Qdo eles iam se alimentar ou ao banheiro eu entrava em pânico.
Foi aí que começaram as medicações com calmantes e remédios também para dormir.
Conheci vários médicos, mas uma foi especial. Toda vez que volto em Curitiba nos meus retornos de acompanhamento que faço há cada 6/7 meses eu preciso vê-la e sempre choro horrores, ela segura onda mas mesmo assim quase deixa a lágrima rolar também.
A primeira vez que ela me viu pós recuperação ela não me reconheceu.
Deu um grito no corredor do hospital quando percebeu que era eu. "Você era um bloco! Olha pra vc! Eu não acredito!" ela dizia toda eufórica.
Foi maravilhoso ver aquela reação e ouvir as palavras dela dizendo que nunca vai se esquecer de mim, do meu caso, que ela vai levar pela vida toda, que as aulas com o meu caso são muito interessantes, que é inacreditável, que ela tem orgulho de ter feito parte da equipe, etc, etc...enfim, qdo vou lá naquela ala de neuro do HC é uma festa.
O doutor tem maior orgulho de passar aos alunos meu caso e dizer tudo o que ele fez e mostrar como estou hoje.
Na última vez que estive lá em novembro de 2010 o médico me atendeu com 4 residentes + um outro professor da área. Não entendi quase nada do que foi dito a eles. Só entendi algumas palavras.
Uma das residentes olhando pra mim disse:
"Nossa, nem imaginava que seu caso tinha sido desta forma...estou ansiosa para as aulas"

4 meses depois eu já estava trabalhando novamente.
Dia 20 de junho 2011 estarei lá novamente, acho que terei alta definitiva.
Dia 25 de julho 2011 uma última tomografia de crânio lá também.
Tenho um pouco de receio do resultado disso, mas pelo menos não sinto mais dor de cabeça e isto me deixa mais tranquila.
Mas se eu tiver que passar por coisas parecidas de novo não sei se vou lutar.
Hoje penso que se eu tivesse morrido, pelo menos não teria sofrido, sentido dores, etc mas tudo estaria exatamente como está hoje e isso me deixa pensando que a morte é um tombo.

Eu já estava completamente desapegada de tudo, tanto que eu fazia parte de um projeto da faculdade, na minha área [moda] antes da doença e me esqueci desse projeto, me esqueci que fazia parte dele e de mais um montão de coisas.
Tanto que depois que comecei a me recuperar, meu marido pediu que eu fosse conversar com o coordenador do projeto que me avisou que eu estava fora e já tinha sido substituída. Eu tinha me esquecido completamente dele.
Perdi bastante a noção do tempo também.
Muitas coisas se apagaram mas recuperei alguns arquivos do meu HD.
Não formatou por completo.
Uma pena, talvez fosse interessante se tivesse formatado geral, alguma coisa estou formatando manualmente agora.

O que eu aprendi com isso foi que não mandamos em nada nessa vida.
É Deus quem manda nessa barca e se ele quiser, ele tira a gente do ar num segundo, somos um simples "plug" ele retira da tomada e pluft! Já era.
Se eu tivesse morrido, pronto: tudo estaria absolutamente igualzinho como está hoje. Tudo igual, meus filhos seguindo a vida, meus amigos seguindo a vida, as praças no mesmo lugar, ruas novas, ruas com novos sentidos...e marido....ele certamente sozinho não estaria...conclusão: A VIDA CONTINUA MESMO minha gente!
Fico pensando nisso às vezes.
Não senti dor, não senti medo, não senti nada, pelo contrário me desapeguei de tudo e de todos.
Não fiquei com sequelas, talvez esquecimento mas isso já era o meu normal e uma miopia leve, mas também já tinha tendência, não é nada confirmado se é devido à doença.

Mas como diz essa moça que gosto tanto, a Fernanda Mello eu finalizo minha história:

"...Mas tudo está bem agora, eu digo: agora.
Houve uma mudança de planos e eu me sinto incrivelmente leve e feliz.
Descobri tantas coisas. Tantas, Tantas.
Existe tanta coisa mais importante nessa vida que sofrer por amor.
Que viver um amor.
Tantos amigos.
Tantos lugares.
Tantas frases e livros e sentidos.
Tantas pessoas novas. Indo. Vindo.
Tenho só um mundo pela frente.
É tão pequeno diante de tudo o que sinto. Sofrer dói. Dói e não é pouco.
Mas faz um bem danado depois que passa.
Descobri, ou melhor, aceitei: eu nunca vou esquecer o amor da minha vida.
Nunca. Mas agora, com sua licença.
Não dá mais para ocupar o mesmo espaço.
Meu tempo não se mede em relógios.
E a vida lá fora, me chama!"
[Fernanda Mello]